terça-feira, dezembro 23

Aperto no peito,
expressão da saudade
lembro das longas horas
dentro de um ônibus
atravessando o mapa da cidade

Tempo para alcançar
a Vila Maria alta
só para te ver: Virginia!
que também era Joana
mulher forte da língua afiada
luz do dia

Foi na Maraã,
que deitava ao pé da cama
admirando suas mãos pretas
seus olhos puxados
tecendo o futuro
nos assuntos achados

Ah... que saudade, vó
sua lembrança tem o gosto doce
daquelas cocadas
que na volta pra casa
eu sempre trouxe

Raquel García

quinta-feira, dezembro 18

Caminhada

Meus passos seguem
Loná

Semente espalhada
na terra amarela

Precisa de água para regar
amor para adubar

Regado de irê
em caminhadas longas
com lokun
faz meu caule crescer

Ewé ilè
todo esse axé
carrego nas plantas
dos meus pés

Raquel García.

segunda-feira, dezembro 1

Reação



Fecham-se as cortinas
do espetáculo
televisionado
segue-se ao novo
o longo caminho à seguir

Na rotina
de histórias repetidas
o macho desesperado
não vai nos conduzir

Chega de final infeliz
está em tempo der ser
o que sempre quis

Não mais padecer
na diáspora,
façamos crer
que nenhuma irmã
ficará por um triz

Elos para reconstruir:
denunciar e nos unir!

É preciso desconstruir
O credo de submissão
desviar-se da palmatória
coibir o amor coadjuvante
que no clímax mata

Desenlaçar as amarras
ser  principal atriz
e dar um basta

Apontar a arma
naquilo que faz reprimir
... chegou a hora de reagir!

Raquel García.

Toda casa tem um pouco de África

A dificuldade de encarar a minha imagem refletida no espelho fez parte do meu cotidiano. As referências da TV sempre foram overdoses de um mesmo padrão, a chamada tendência que nos embutem e de praxe coloca muitas mulheres no papel de auto-negação da sua aparência, inevitavelmente tem cor. Eu fui uma delas.
Da infância até a adolescência esperei e testei fórmulas para que pudesse ter o cabelo liso, o nariz afilado e a boca com contorno fino, assim, mesmo com a pele negra poderiam tornar-me mais adequada ao padrão.
Tais pensamentos eram produtos das imagens de alisamentos, chapinhas cabelos lisos e modelos brancas bombardeadas pela cidade que ainda tinha outdoors, também encontrava nas capas de revistas populares, comerciais infantis e produtos cosméticos.
Além dos múltiplos adjetivos negativos e piadas sobre negro e cabelo crespo – de péssimo gosto, vindos dos colegas, paquera e até mesmo da família. Porque controlar era preciso; “esse cabelo difícil, duro, ruim”.
O tempo passou, e os comentários sobre o natural “ser feio” se transformou em ruídos aos meus ouvidos. A partir do momento em que comecei a dar atenção ao espaço que integro, na letra de um rap me vi, num sarau aos poucos a consciência me tomou, consegui enxergar mulheres que são semelhantes a mim, ou seja, na quebrada inteira.
Notei que as referências estavam mais próximas: o cabelo da avó, o nariz do pai, a boca da mãe: resultaram na empatia.
A vida levou-me ao meu próprio resgate, de encontro com a minha identidade. Voltei a olhar para o espelho, abri os olhos e descobri-me guerreira, com sorriso largo, black alto e lábios grossos. Encrespei, renasci!
Reconheci meus antepassados, hoje exploro e tento aprender mais sobre os significados de cada contorno que está no meu semblante e de tantos outros descendentes. Afinal, toda casa tem um pouco de África.
A aceitação em uma sociedade educada nos moldes eurocêntricos é um processo contínuo, árduo e difícil. Há um vasto histórico que não nos contam sobre a beleza que há na carapinha, pois cada guerreira que sobe e desce ladeira carrega nas veias as forças de Clementina, Dandara, Carolina, e de tantas deusas e rainhas negras.

quinta-feira, novembro 27

Desacelerada

Vibrou, acendeu
Despertador tocou!

Eu vou é despertar o corpo
Num processo lento
De prazer e acerto
Embarcar no meu porto

Rebobino meus sentidos
No ambiente abstrai
O movimento assíduo
...Se desfaz

No mesmo segundo o tempo
Assim como o gozo
...Se esvai

[o telefone tocou novamente
]
Já são 6 e 9
Na calmaria que envolve

No meu modo desacelerado
Indecente, exacerbado
Talvez já posso levantar!

Raquel García.

quinta-feira, outubro 16

Mais um quinze

Contínuo processo 
de des-cons-tru-ção

Entre o giz

os livros
e a des-or-ga-ni-za-ção

Acredito nxs meninxs
em intensa movimentação

Mentes abertas

dentro do concreto escolar
asas pregadas em fileiras,
querem voar!

Mais um quinze,
que me levanto!


Conhecimento doce
experiência no incerto

Gratidão ao aprendizado
que me lança ao cotidiano
do ser Professor.

Raquel García

domingo, outubro 12

Meu corpo, corpo meu

O corpo,
esse universo
que me pertence

Templo de minhas memórias
marcado por traços
cicatrizes
e histórias

Aquilo que a memória apaga

o tempo traça
e deixa espalhado
por cada membro

É cheiro faceiro
sinaliza sensações
tensões
e tesão

Define,
minha expressão
minha coragem
...meu recuo

Meu corpo
corpo meu...

De auréola escura
olhos noite
pele pura melanina

É espelho
da subversividade
que contempla o eu

Território divino,
imperfeito, 
lindo!

Raquel García.


sábado, outubro 11

Racismo Estrutural

Contra o discurso
Maquiado na TV
O invisível posso ver

Racismo estrutural
Não é atual
É secular

Já matou
Ainda mata
Me maltrata
Faz mal

É tempo de reparações
De denúncias
Às imposições

A romantização
O abrandamento do debate
Não ingiro não

Tolerância
Não é sinônimo de democracia racial
Nem de tiro “acidental”

Os conflitos existem sim
É Camuflado,
Farisaico

Enquanto houver amarras
Vou marchar
Me emponderar

Reivindicar
Gritar,
Lutar


Raquel García.


Espuma

Espumo minhas vontades
Pulverizo a necessidade
De sentir-me inteira
Atiçando prazer
De verdade

Direciono-me através da mente
Não indago,
Me faço quente

Arrepio na pele
Extravaso,
Me moldo,
Desoriento

Reservo o querer para mim
Quando solta
Compartilho 

Território dermo-gráfico
Exploro sozinha
Ou acompanhada

Pele palco principal
Do arrepio, do silêncio
Sem nenhum pio

Dança dos dedos
Em cada área do corpo
São linhas
Contornos
Entre xêros
E sopros

Agora ferve
... Molha!
Espuma todo o ambiente
Feito bolhas
(Dengosa)

Querer desintegrar
Transcender
Dar
E gemer

O silêncio desfaz
Suspiro música faz

Sua boca em minha vulva
Faz-me rio
Do seu mergulho.

Raquel García

Ao gosto do gozo na despedida de agosto

Sua voz ao pé do ouvido instigava o amor guardado em mim à vir aflorar. Enquanto eu me amava, você sentia meu toque. Através da proximidade de nós dois inertes numa cama ao amanhecer da despedida de agosto sentíamos o gosto, enquanto eu me tocava você acariciou meu mamilo, assim, ofeguei disparadamente. Trocamos vibrações, quando percebeu meu molhar, você me invadiu! Perfumamos o ambiente.. fodemos gostoso; ao nosso gosto, até a carne ceder ao gozo.

Raquel García

segunda-feira, agosto 11

Escola

Por detrás de muros
Janelas e grades
Querem formar o senso comum
De cidadãos da baixa classe

Alguns se viram
Tentam criar o novo
Portando apenas giz
Papel e lápis

Corredores de concreto
Frio e escuro
Salas lotadas
Com aspecto de cárcere

São situações aleatórias
No cotidiano emergente
Da escola
Do professor
Aluno
E inspetor
É urgente!

Falta estímulo
Falta cadeira
Ideias massacradas
Na ausência de perspectiva
Sentados sobre a mesa

De costas para o muro
Roda moinho
De acerto ao desmundo
Roda pião

A formação para mão de obra
Tecnicista e reacionária
Não me representa, não!

Raquel García.

quarta-feira, julho 23

Fluidez

Qual o pudor em torno
da subjetividade do meu conhecer do meu tocar
- Da minha masturbação?

Meu sexo inicia na descoberta dos meus dedos na minha vagina

Transcenda esse tabu
enquanto me reprimem
meu orgasmo flui!

Raquel García.

segunda-feira, junho 2

Páginas passagens

Rodovia
Ferrovia
passo pelas vias
Sobre rodas
ou trilhos
São seis por dia
30 por semana
120 por mês
de conduções
que amontoam multidões
na espera da fila
do transporte público
imundo
que nos faz dormir com as baratas
acostumando-nos
às enguiçadas marchas
é o cotidiano
que me rouba horas
de um tempo
que não me pertence
nem controlo
dando presença
ao “natural” atraso
corredores,
buzinadas
e motores
nada acelera tudo se desespera
chacoalha feito montanha-russa
assim, fazendo do caos um retorno
da companhia por entre as páginas
que se multiplicam
além do número
das rodas,
trilhos
desenham um mundo
paralelo a esse
imagens e perspectivas surgem
acarretando no pensar
desconstrutivo
sob o olhar visto
da janela pra fora
intrigando as ideias
do meio que me expande


Raquel García.

As que não pariu

Feito choro antigo escorre em mim lágrimas em abundância ao encarar as histórias tão minhas em meio às relutâncias
Choro por minhas irmãs que são mulheres pretas de carapinha
Desagua as angústias de cada pílula engolida no dia seguinte muitas vezes não vivido por desfecho de um corredor frio e sangrento
Sigamos, irmãs! com nosso ori vivas pela força que nos impulsiona pra onde quisermos ir Raquel García.

segunda-feira, abril 28

Labi(o)riontos

Cheiro da pele
Convida
Eriça
Atiça


Aproxima
Natural
Tal química


Dança do pescoço
Que pra frente
Vai
Retrai
Saliva

Meu olhar
Debaixo pra cima
Te alucina

Contorce o corpo
Ímpeto
Inspira

Escracho
Oralizado
Eu lambuzo
Me esbaldo

Raquel García.

Intro

Sinto
Transmito
Respiro

Inisisto
Transpiro
Inspiro

Raquel García

Despertar

sonhos eróticos
mantém o fechar
dos olhos
eriçam meus mamilos
proporcionando o abrir
dos instintos
pra sentir
o que escorre de dentro
de mim
fico ardente,
sensível,
envolvente
por cada  perímetro dos poros
que exalam suor,
e aos poucos umedeço
minha calcinha,
assim, entorpeço
defloro,
faço manha
deixo o ambiente
perfumado à xana
rolo pelo edredom
contendo o meu som
retorço,
contorço
esboço
das partes minhas
que alucinam-se
em fantasias
ainda em horizontal
me imagino na frontal
e todo o fervor do pau
rebolo e debruço
não nego meus impulsos
explodo
(re)adormeço
na solidão aquecida


Raquel García

terça-feira, abril 8

Lixo social (ou espelho do ter)

cores alaranjadas
contrastam com o cinza
transitam dia a dia pelas calçadas
carregando pá e sacolas
passam por vielas,
escadas

por entre as vias 
são tão invisíveis
feito as pets 
arremessadas 
na rua ou na estrada

desde os paralelepídos 
às encostas
batucam, varrrem
pintam e recolhem

não são tão felizes
quanto a imagem do Sorriso
que globo se apropria no carnaval
e nos dias que correm
recolhem o mal-estar social

aquele acúmulo
do exacerbado consumo
carros, ônibus e pedestres
depositam seus dejetos
feito chuva torrencial

por toda parte
ainda há de se ouvir 
que aquilo é o que deve servir
esses homens e muitas mulheres

sob sol ou chuva
percorrem as falidas metrópoles
advindas de uma coroa velha
república antagônica

soterrados no próprio lixo
lixo urbano
das gentes, 
que somos nós
ditos cidadãos
urubus ambulantes

e quando garis cruzam os braços
isso é manifesto, revolta
sem necessidade de teoria
ou manual de rebeldia
é o povo!
a culpa não é deles
sobre os resíduos por aí
é simbólico
o cheiro do ralo

advindo do nosso próprio modelo
de sociedade
vagando em desconcerto
e descaso.

Raquel Garcia.

sábado, março 22

Contato

Conversa dos olhos
precipitam o encontrar dos lábios
que se estende pelos braços
ao se entrelaçar um no outro
desenhando o abraço
desperta afago,
acaricio, logo 
beijo!
recíproco ensejo
como se;
face a face
ouvíssemos a saudade
de nossos poros
que se falam
sem palavras da língua
mas deságuar de salíva
troca de sintonia
"amor por telepatia"
em tom de sinestesia.

Raquel García

sexta-feira, março 21

Ainda vejo sangue

Massacre de Shaperville
todo dia em outra forme se exprime

Tão cruel
que até hoje
vejo meus irmãos sendo réus

Muitas vezes não culpados
estigmatizados
são violentados,
transtornados,
arrastados

Lamento cada um
que para a mídia
são apenas números comuns

A ONU não alterou
o rumo da História
que no registro de datas
o dia ficou


O Apartheid de 60
que resultou-se em mortos
dizem que foram 69
hoje, a cada 10
nem sobram nove

Hoje tem cor azul
a lei do passe
marca do massacre

Minha cor feito noite
não se vê livre do açoite


Ainda caminhando
para as cicatrizes alterar

de cinquenta e quatro anos
somados aos trezentos...

e ainda vejo sangue

Seja na África do Sul
ou na América
norte,
latina, 
militarizada
continuará sendo

assassina.


Raquel García

quarta-feira, março 12

Preto

Preto é a cor
que demarca
meu sorriso claro,
meu cabelo encrespado

Pigmento da pele
é preto
reflete o brilho
concreto
A concha 
possui melanina
delineia a intimidade
frutífera da vida

Assim,
faço parte da terra
escura e preta
Resistindo diariamente
com meu tom expoente
raiz e ancestralidade
faz minha genética consciente

Preto é lindo!
Raquel García.

quinta-feira, fevereiro 13

Quente se faz ardente

Tão quente quanto às últimas temperaturas solar.
Com os pelos eriçados, escorre suas gotas sobre o contorno do rosto que leva o gosto do sal à boca.
Num passar de língua, molha seus dedos – indicador e anelar, para tocar lá.
Dança para si, na solitude proposital.
Seu pequeno espaço é tomado pelo perfume cítrico, rosado e íntimo, que se expande pelos quatro cantos, enquanto de quatro faz encantos.
Gosta daquilo que a reflete... Distorce.
Observando sua sombra reproduzida na parede imunda, ao se movimentar.
Um tanto Xângo quanto Oxum.

Raquel García.

Caminhos

Vejo Estrelas
sob um céu limpo
diferente do cinza
do meu município


A lua brilhante
protagoniza
esse espaço infinito


Na estrada,
as coisas ganham
novos sentidos.

Raquel García.

segunda-feira, fevereiro 3

Canção do excluído

Minha terra tem fronteiras
Onde nos transformam em marginais
As pessoas, que aqui, agrilhoam
Não agrilhoam como lá

Nosso peito anseia
Nossas praças carregam tremores
Nossos quintais têm menos vidas
Nossa vida mais rancores

Em, cisma, sozinho à noite,
Mais andarilhos encontro lá
Minha terra dilacera
Onde ouço PÁ - PÁ - PÁ

Minha terra tem ditadores
Que tais multiplicam mais
Em, cismar, sozinho à noite,
Passos largos;
melhor não ramelar

Não permita-me ser alvo de clamores
Dos quinze anos devo passar
Guia-me professores
Paz no caos encontro por cá;
Vou pegando minhas rabeiras
Marginal (máximo respeito)
Pode pá!

Raquel García.

sábado, janeiro 25

São Paulo é um buquê

460 anos
Torrando meu café
Sou resultado do extermínio
feito as bordas de pizza
Estou sobre as margens
Fragmento da periferia
Locomovo-me
Prensada em latas

Elegeram nossos heróis
(que ninguém queria)
Castelo Branco, 1964.
Hoje, 2014
quase 50 anos,
pós golpe militar

Tenho de caminhar
por essas vias
manchadas de sangue
massante rotina

Passar pela Bandeirantes
que cruelmente
matou parte do meu sangue

Aos índios, aos negros
Para os nordestinos
à eles e suas diversas etnias
Honro como donos da terra
Nem paulista, nem paulistano
Não há bandeira sobre o pranto
Guaranis, presente!


Raquel García.

quarta-feira, janeiro 8

Ao que se funde e não anula

Os dias juntos são combustíveis
Para vivenciarmos os possíveis

Sejamos cúmplices do estar
Quando perto,  amar

Nas entregas do corpo e mente
Não procures ser decente

Que não viemos a nos suportar
Mas possamos nos ausentar

A paz do silêncio
É perfume feito incenso

Fazei de ti o melhor para si
Enquanto me renovo em mim

Olho no olho
Desenvolvendo nossos esboços

Atentos às minuciosidades
Ao respeitar a liberdade

Alimentai a frenquência de  sintonia
Nos paradoxos da companhia.

Raquel García